Saturday, 18 December 2010

Neve inglesa é diferente...

Hoje tá caindo a maior neve aqui em Londres...Dia de ficar quietinha dentro de casa, em baixo do cobertor, tomando chá e assistindo a BBC News repetir as mesmas notícias a cada 15 minutos.
Uma delas (que sinceramente não aguento mais ouvir) é sobre a severidade do clima este ano e sobre como o país não estava preparado para a nevasca, blah blah blah. E a mais irritante de todas: como apesar do caos gerado TODO ANO, ainda não é vantajoso investir na infraestrutura de transporte porque aqui não é Escandinávia ou Alpes...

Sou brazuca, mas uma coisa eu digo: de neve e clima frio eu entendo um pouquinho...não muito, mas um pouquinho. Depois de congelar por 5 anos na Alemanha, 2 na Áustria, e de inúmeras viagens pra Escandinávia pra visitar os sogros (uma delas sobre o delicioso clima de -20 Celsius), deu pra ver como outros países da Europa sabem lidar com a neve bem melhor do que a Inglaterra. E sinceramente, não é somente pelo fato desses outros países serem “mais expostos” ao clima frio do que aqui. Londres está praticamente na mesma latitude que o norte da Alemanha, portanto, o clima e quantidade de neve entre os dois lugares são comparáveis. Mesmo assim, não me lembro de Hamburg ou Hannover parando em caos total por causa de alguns milímetros de neve. Comparar o clima aqui com o da Escandinávia ou Sibéria seria injusto, mas uma comparação climática com a Alemanha, Holanda, Bélgica ou norte da França é totalmente plausível a meu ver.

Por que então os ingleses não conseguem dar um jeito na situação? Por que todo ano é a mesma coisa? Por que o país pena tanto com coisas que para outros são tão simples? Well, talvez porque ao contrário do que todo mundo pensa, a Inglaterra é segundo mundo e não primeiro. Aqueles que estudaram na época da Guerra Fria (como eu), lembram-se que segundo mundo era o bloco comunista aliado à União Soviética. Mas não estou dizendo aqui que a Inglatera seja comunista...Muito pelo contrário...Eles são um país mega capitalista, uma versão americana em solo Europeu, mas que ainda não se conformam de terem perdido o status de British Empire e nação mais poderosa do mundo. Entretanto primeiro mundo eles também não são, pois o nível de desorganização e bagunça no país são gritantes. Como um amigo meu (inglês!!!) definiu muito bem uma vez: “na Inglaterra, a atitude é européia, mas as estatísticas são americanas”...E é esse paradoxo que eles não conseguem enxergar...

Além disso, a cultura do entitlement (que traduziria como: é o meu direito!!!) é algo muito forte aqui. Acredito que seja algo reminiscente da época onde eles dominavam o mundo. Não quero dizer com isso que o povo não seja empreendedor, afinal de contas muitas das invenções que revolucionaram o mundo vieram dessas terras “shakespearianas”. Longe de mim também sugerir que lutar pelos direitos não seja algo a ser aplaudido. Mas existe uma atitude forte aqui de achar que tudo é um direito natural da pessoa...Uma coisa meio spoiled (mimada) mesmo. Não reciclo o lixo, porque acho que não é obrigação minha...Jogo lixo no chão ou deixo-o no metrô/trem (sim, eles fazem isso) porque se não tem lata de lixo perto, não sou obrigada a carregar lixo dentro da bolsa (eu carrego, minha bolsa é um chiqueiro, mas no chão eu não jogo). Não limpo a calçada de neve porque é papel da prefeitura (na Alemanha, se não limpar, e alguem cair em frente à sua porta e se machucar, eles podem te processar)...E por aí vão-se os exemplos...
Existe uma desconexão imensa entre o que eles acham que o país deve oferecer, e o que o país realisticamente pode oferecer. E o isolacionismo deles em relação à Europa não ajuda nem um pouco. Porque se talvez se considerassem europeus (europeu pra eles é só quem mora na Europa continental), e descessem um pouco do salto (e não tivessem só “atitude de europeu”) aprenderiam com exemplos de outros países e veriam com os próprios olhos que existem soluções super inteligentes e simples para muitos problemas. Por exemplo, ao invés de reclamarem: “ah, as estradas não estão limpas de neve, mas é meu direito sair de carro, portanto sairei”, pensassem “ah, mas talvez se eu comprasse pneu de inverno eu ajudaria a não criar caos no trânsito”, a situação poderia ser um pouco diferente e melhor.

Fico pensando, quais foram os eventos que deixaram o país com essa mentalidade. Será que foram os 10 anos de governo Labour? Afinal foram nos governos de Tony Blair e Gordon Brown que houve um aumento enorme de benefícios estatais, que muitos acham ter criado a cultura do “o governo tem que tomar conta de mim”. Sinceramente não acho que seja isso (ou só isso). Até porque acredito que o Estado tem que tomar sim conta dos que necessitam. Quem atrapalhou tudo mesmo foi Margaret Thatcher e seu governo ultra neoliberal que reviveu tão fortemente um sentimento de patriotismo desvairado (vide guerra das Malvinas) e uma nostalgia de British Empire, ao mesmo tempo que destruiu a estrutura industrial do país e levou tantos trabalhadores da classe média e pobre à miséria. São os Tories (partido conservador da qual Thatcher era parte) que (ainda) acham que pobreza e falta de oportunidades são escolhas pessoais, gerando assim um conflito interno nas pessoas entre “eu quero vencer” vs. “ mas não tenho como fazer isso nesse país”. Oras, qual povo não desanimaria, perderia o rumo e ficaria lazy (preguiçoso) com tanto paradoxo? Pensei de imediato: peraí, os brasileiros não se deixariam abater...os brasileiros são lutadores e portanto não perderiam o rumo assim...Certo...Mas não nos esqueçamos que esse país aqui (ao contrário do Brasil) foi por muito tempo o centro de tudo, o centro do mundo. Então, diferentemente de nós brasileiros, a mentalidade de que “as coisas não caem do céu” é algo que eles ainda tem que se acostumar.

Apesar de todos os seus problemas eu adoro a Inglaterra. Acho o povo maravilhoso, com um senso de humor brilhante e um coração de ouro. Aqui ainda é um país onde as pessoas puxam papo com você, conversam na fila com desconhecidos (parece bobeira, mas em países mais setentrionais da Europa, isso não rola não) e sorriem pra você (mesmo não te conhecendo). O potencial humano é enorme...Só precisam de um reality check básico pra descobrirem que a Europa é bem mais perto do que eles pensam e que o alinhamento político com os EUA talvez não seja a melhor coisa para eles. Mas infelizmente duvido que 4 anos de Tories seja o caminho certo para que essa mudança de pensamento aconteça...

Saturday, 6 November 2010

Carta ao MRSP

Caros membros do Movimento República de São Paulo (MRSP)

Dirijo-me a vocês aflitamente em meio a um turbilhão de dúvidas que me assolam desde que escutei seus "nobres" planos de iniciarem a luta pela separação do Estado de São Paulo (ou seria apenas da cidade?).

Como brasileira (oops, paulista) que mora no exterior e portanto bastante conhecedora de burocracias migratórias, gostaria de começar a definir meu status e de minha família desde já, nesse momento que caminhamos rumo a República Paulista.

Antes de mais nada, peço clareza quanto a definição do que constitui um paulista. Sou uma ávida leitora de livros de genética e fã número um de Mendel e Darwin, mas acredito que devo ter perdido a aula onde a biologia do gene "paulista" foi estudada. Que lástima...Porque estou numa dúvida cruel se sou paulista ou não. E o motivo é simples: minha mae é mineira e meu pai capixaba, entretanto eu nasci no interior de São Paulo. Usando o novo critério pós-eleitoral tão em voga no Brasil que só estado "nordestino" é que vota na Dilma Rousseff, confesso que estou desesperada caro MRSP. Seria eu nordestina? Teria o gene "p" me falhado completamente? Ou será que os 24 anos que morei nesse estado tão "maravilhoso" foram suficientes para uma mutaçãozinha genética me garantir um lugar definitivo na elite biológica paulista? Conto com a benevolência de vocês MRSP, para que me considerem paulista jus sanguinis. Se acharem que não seja apropriado, tenham mais piedade ainda e utilizem o critério do jus solis. Assim minha família poderá continuar morando em São Paulo, sem que sejam importunados pela chata burocracia de pedir visto de residência permanente.

As questões geopolíticas e econômicas com os países vizinhos (Brasil, República do Sul) também tem me tirado sono, querido MRSP. Como cidadãos da República Paulista, faríamos parte do Mercosul? Precisaríamos de visto para ir ao Brasil ou ir passar férias no Nordeste? A via Dutra ficaria pertencendo ao Rio ou a São Paulo? Precisaremos de pagar taxa de alfândega para comprar pinga em Paraty ou bordados e doces no sul de Minas? Outra dúvida. E a moeda do país? Seria necessário criar uma nova? Ou poderíamos nos apossar do Real e forçar o Brasil a procurar uma outra moeda pra eles? Afinal de contas, FHC foi o pai do Real né, então nada mais justo do que a gente ficar com ele (o Real, não o FHC), não é mesmo?


Ah...pensei outra coisa caro MRSP, e o hino de São Paulo? Seria algo meio Adoniram Barbosa ou vocês consideram samba coisa chinfrim de carioca? Se for assim sugiro uma adaptação da versão “antiguinha” do hino alemão que diga algo mais ou menos assim: "São Paulo, São Paulo Über Alles" (traduzindo-se: São Paulo, São Paulo acima de tudo). Afinal de contas, alemão é europeu e europeu é chique né MRSP? Devemos copiar tudo deles. Por que não copiar também a ideia alemã nazista (quero dizer, antiguinha) de ter uma lista de obras proibidas para evitar a contaminação do sangue puro da nova nação paulista? Minhas sugestões de autores a serem proibidos: Jorge Amado, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e outros escritores de "segunda classe" brasileiros que não entendem nada de literatura e são apenas subversivos. E não se restrinjam a leitura apenas não, MRSP...Manifestações culturais "contaminadas" de outros estados (oops, países...nossa, vou demorar a me acostumar) deveriam ser proibidas também, ou não? Como nação rica (que terá o direito de ficar com toooodo o seu PIB) seus cidadãos poderão comer todo dia no Fasano's e ir a Ópera no Teatro Municipal, então rapadura e axé music pra que, né? Nordeste mesmo, só pros nossos mauricinhos poderem vomitar caipirinha nas praias de Porto Seguro no Carnaval, concordam?

São Paulo uma nação...Nossa, quem diria hein MRSP que veríamos esse dia? Não vejo a hora de ver as embaixadas paulistas aflorando no exterior, a bandeira bandeirante (haha, olha o trocadilho aí) voando em seu mastro e a foto de Presidente Serra pendurada nas paredes dos consulados convenientemente com um balde embaixo (sabe como e né, a emoção às vezes revira o estômago). Mal posso conter meu excitamento ao imaginar as bonitas paradas pelo centro da Avenida Paulista, com gente bonita e inteligente lembrando o passado lindo de nosso Estado (ah, de novo? país, quero dizer país). Membros importantíssimos da base de governo do Presidente Serra, como a Igreja Católica, grupos Pró-Vida e o Partido Verde, todos no palanque assistindo a uma verdadeira demostração de ordem e poder. Sem falar nos convidados internacionais... Berlusconi, Sarkozy, George Bush Jr., Margaret Thatcher...Uau, me belisca que parece um pesadelo (oops, sonho, sonho, desculpe).

Como vocês podem ver MRSP, muitas são as minhas perguntas e dúvidas. Mas tenho certeza que vocês como movimento sério formado por pessoas cultíssimas e diplomadas nas melhores universidades paulistas (obviamente excluindo-se a USP e UNICAMP), já têm resposta para todas essas questões.

Sendo assim, aguardo-as ansiosamente.

Sunday, 31 October 2010

Como se escreve o nome da nossa Pátria?

São 08:52 em Londres...Ou melhor, 07:52 já que essa blogueira que vos fala ainda não voltou os relógios nesse fim de horário de verão. A cidade preguiçosamente curte mais uma horinha de sono, mas eu já estou aqui, na frente do computador, acordadíssima e agitadíssima pensando no dia de hoje...Na Dilma...nas eleições...no Brasil.

Elegeremos (ou já elegemos, dependendo da hora em que você, caro(a) leitor(a), estiver lendo esse post) nossa primeira presidenta. E isso é glorioso! O caminho foi árduo, penoso e muitas vezes asqueroso..Mas o bom senso prevaleceu. Entretanto ainda sinto um gostinho amargo na boca. Uma tristezinha, uma sensação de que a vitória foi conseguida, mas o triunfo está beeeemmmm longe. E sei exatamente o motivo pelo qual estou me sentindo assim. Ele se chama Brazil.

Sim, Brazil com “z”...Esse e o paíz que me assusta e me desanima.  É o paíz que me chocou ao se expor tão descarada e vergonhosamente no segundo turno dessas eleições presidenciais. É o paíz que ainda carrega a herança maldita do colonialismo, dos 20 anos de ditadura apoiada pelos nossos amiguinhos americanos (que surprise surprise pronunciam nosso país com “z”)...É o paíz Casa Grande e Senzala.

O Brazil é fascista. O Brazil tem uma imprensa golpista, manipuladora e sem ética. E essa mesma imprensa quando é criticada acusa aqueles que a criticam de inimigos da liberdade de expressão.

O Brazil é classista e racista. Os brazileiros são na minha opinião os votantes burguesinhos e riquinhos que apoiaram um candidato que se usou de truques, mentiras e calúnias para ganhar as eleições. São aqueles cidadãos que acham que Bolsa Família é esmola (engraçado, no resto do mundo se chama “social welfare”), que reclamam que empregada agora custa caro e tem TV plasma, que acham que negro não pode ter cotas na Universidade porque não é justo. São aqueles que acham que dizer 100% branco é a mesma coisa que dizer 100% negro.

O Brazil é conservador. Lá nesse paíz, mulher que aborta é considerada assassina, mas jogador de futebol que mata namorada é macho que apenas ensinou uma lição a uma “Maria Chuteira” vadia. Lá nesse paíz, a Igreja se mete em assuntos do Estado e prega que usar camisinha não ajuda contra o combate à Aids. No Brazil, os jovens brazileiros tem dificuldade de se dissociar dos mesmos valores e preconceitos de seus pais e avós.

Eu não sou brazileira. Nunca serei. E se o outro candidato tivesse ganhado, eu teria jogado meu passaporte no lixo. Mas antes que me acusem de radical, já digo de cara. Não, não sou contra multipartidarismo ou oposição. Oposição é vital para o funcionamento de uma democracia saudável. Mas sou contra o lixo político e partidário que existe no Brazil cujas plataformas se estruturam apenas no anti-petismo e não em propostas sólidas e concretas que beneficiem os que mais necessitam.

Mas o Brasil ganhou hoje. E com ele a esperança de que dias mais açucarados adoçarão o gostinho amargo que ainda sinto na boca. Com a vitória de Dilma estou mais próxima de querer voltar para a terrinha. Sempre me senti um pouco culpada por sair do país. Afinal de contas, não é o nosso hino que prega que um “filho teu não foge à luta”? Mas agora entendo que não fugi...Eu me libertei. Me libertei do Brazil, adquiri novos conhecimentos, expandi meus horizontes...E agora quero voltar e usar tudo de bom que aprendi a serviço do meu país. Lutar para que o Brazil nunca prevalesça.

Viva o povo BraSileiro!

Thursday, 23 September 2010

O morro dos cabelos esvoaçantes!!!

Andando hoje pelas ruas chuvosas e barulhentas de Londres, deparei-me com um fato que não havia até então pensado muito a respeito. O cabelo crespo está em extinção!!! Das centenas de pessoas que vi dentro do metrô, muitas delas de origem caribenha ou africana, talvez menos de 1% estivesse usando o cabelo au naturale. As mulheres em sua maioria tinham seus cabelos alisados em suas milhares de variações tais como perucas, apliques, entrelaces e escovas. Os homens, que geralmente não são muito associados a grande entusiasmo capilar, também já escolheram sua versão própria para disfarçar o crespo...Carecas ou com o cabelo bem raspadinho mostrando só uma plumagem quase imperceptível no couro cabeludo.

Cabelo sempre foi um dilema para mim. Como mulher negra, nasci e cresci envolvida por discussões sobre o assunto. Durante minha infância usava tranças bem longas, que minha mãe pacientemente penteava todos os dias. Na escola sofria com as infames perguntas do tipo: por que voce não usa o cabelo solto? por que voce não precisa de elastiquinho pra prender a trança na ponta? por que o seu cabelo não se movimenta como o meu? Esses comentários doiam e me deixavam com vergonha, e como tantas meninas da minha idade e cor, passei pelas fases de toalha na cabeça, perucas e lenços. Ainda assim, comparativamente, a minha situaçao não era tão "ruim", pois as tranças eram um meio termo aceitável ao padrão de beleza imposto por cabelos lisos, esvoaçantes e brilhosos.

Na adolescência, veio o sofrimento maior...Minha mãe cortou minhas tranças e o resultado foi um cabelo curtinho, que eu penosamente tentava "domar" com bobs, alisamentos e condicionadores mil. Passei obviamente a minha adolescência inteira me sentindo horrorosa, e meus cabelos certamente contribuíram muito para a minha auto-imagem deturpada e negativa. Lembro-me de estar arrumando as malas pra sair de casa pela primeira vez aos 17 anos, e pensando o que seria de mim em Campinas, pois no pensionato onde iria morar não poderia (ou queria) mostrar o quão penoso era o meu ritual diário para me tornar “apresentável”.

Uma vez em Campinas, já na Universidade, não sei bem se as coisas melhoraram ou pioraram, mas passei a ligar bem menos para o assunto. Minha carga horária era tão pesada, que sinceramente não tinha tempo para pensar muito em vaidade. Acho que no fim eu embarquei de corpo e alma no padrão "feia mais engenheira"...Talvez fosse um mecanismo de auto-defesa contra a elite patricinha e classista da Unicamp. Mas minha estratégia You got the hair, but I got the brains (Você tem os cabelos mas eu tenho o cérebro) me protegeu de aflições maiores. Estabeleci meu status de CDF e com isso fui deixada em paz. Com a paz veio a auto-confiança e a tentativa de deixar meu cabelo longo de novo...

Longo...Essa foi a palavra chave do meu momento capilar Eureka...Descobri que não precisava ter mais cabelos curtos, e que se "desse um jeito" poderia me encaixar no padrão satisfatoriamente...Com o fim da faculdade veio também um pouquinho mais de grana e a possibilidade de poder comprar produtos mais especializados e caros. Nessa época coincidentemente houve uma explosão de produtos afro no mercado brasileiro, com a Seda (da infame Unilever) pela primeira vez ousando lançar um shampoo para cabelos crespos (com o desenhinho de uma negra no rótulo). Uau, que progresso, eu pensei...Agora a indústria cosmética está olhando pra gente..Entrei no mundo dos permanentes afros, condicionadores leave-in e parti feliz da vida rumo à Europa, com as madeixas mais longas, cheias de permanente e auto-confiança.

Meu cabelo é menos um tema aqui na Europa do que no Brasil. Mas isso não significa que as pessoas de etnia negra aqui sejam menos suscetíveis ao massacre de imagens da mídia branca. E eu confesso que no começo fui uma das vítimas. Com uma infinidade de cabelereiros ethnic aqui em Londres, me senti como se estivesse em um Éden. Lojas especializadas com seus produtos maravilhosos, alisantes importados e salões chiquérrimos. Obviamente é otimo que mulheres negras tenham salões lindos a sua disposição e não tenham que se contentar apenas com a cabelereira do fundo de garagem. Mas a mensagem é uma só...Liso, liso, liso. Semana passada, diante de toda a polêmica criada pelo embranquecimento e escondimento de gordura de Gabourey Sidibe na capa da Elle, notei que ninguém sequer mencionou o fato de que seus cabelos estavam extremamente alisados. O racismo capilar está tão embutido e imperceptível em nossa sociedade que ninguém mais liga. Ninguém acha nada demais no fato de Beyonce e Cia. chegarem ao cúmulo de rasparem seus próprios cabelos naturais para usarem implantes longos e loiros. E o que me irrita é o fato de que isso seja vendido para as pessoas como uma escolha ou até mesmo como um direito pessoal, sem que as causas reais dessa distorção - o racismo das pessoas e da indústria de entretenimento - sejam jamais expostas.

Não vou me fingir de santa, caros leitores e leitoras. Por 3 vezes em minha vida eu já sai do salão com cabelo de "chinesa". Por mais excitante que tenha sido poder balançar minhas madeixas ao vento (caí até no cúmulo de mandar fotos pra minhas amigas), olhando-me no espelho mais tarde eu não conseguia me reconhecer muito. Sentia falta dos meus cachinhos, e da minha cara de sempre. Me sentia meio como um sell-out (vendida), sem identidade mesmo. Foi aí que em um momento totalmente à la "Morro dos Ventos Uivantes", gritei como minha heroina Catherine Earnshaw ao declarar seu amor por Heathcliff: I am my curls (Eu sou os meus cachos!!!). E me senti poderosa, sem medo de ser feliz.

Hoje estou naquela fase onde gostaria de fazer algo legal com meu cabelo pra dar uma variada no visual (já que estou sem um corte definido há mais de um ano), mas não sei muito quais são as minhas opções. Ou melhor, até eu sei...Os salões londrinos em sua falta de criatividade total oferecem quase sempre a mesma alternativa: cabelos lisos e longos cheio de apliques, perucas e chapinhas. Eu não quero isso...Quero algo que seja meu estilo, minha cara. E torço para que a minha procura não termine como a de Catherine...Ela nunca conseguiu achar o amor...Eu espero que meu cabelo jamais se torne o meu Heathcliff...